Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior
Faltando
três dias para a votação do segundo turno, o acalorado debate eleitoral
ganhou um interlocutor de peso: o Papa Bento XVI.
Num
discurso pronunciado, nesta manhã de quinta-feira, para bispos do
Nordeste – reconhecida base eleitoral do PT de Dilma Rousseff – Bento
XVI condenou com clareza “os projetos políticos” que “contemplam, aberta
ou veladamente, a descriminalização do aborto”.
Com o
discurso de hoje, Bento XVI rompe, desde o mais alto grau da hierarquia
católica, o patrulhamento ideológico que o PT vem impondo a bispos do
Brasil através de ameaças, pressões diplomáticas, xingamentos e abusos
de poder.
É conhecida a absurda apreensão, a pedido do PT, de milhares de folhetos contendo o
“Apelo a Todos os Brasileiros e Brasileiras”, em que a Comissão em
Defesa da Vida, da Regional Sul I da CNBB, exortava os católicos a não
votar em políticos que defendam a descriminação do aborto. É conhecida a
denúncia do bispo de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, de que tem sido vítima de censura e perseguição por parte do PT (cf. Revista Veja).
É arquiconhecida a prisão de leigos católicos que realizavam o “ato
subversivo” de distribuir nas ruas o documento dos bispos de São Paulo.
O Papa
convida os bispos à coragem de romper este patrulhamento e falar. Ao
defender a vida das crianças no ventre das mães, os bispos não devem
temer “a oposição e a impopularidade, recusando qualquer acordo e ambigüidade”.
O
pronunciamento de Bento XVI ainda exorta os bispos a cumprirem “o grave
dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”. E, numa
clara alusão a uma das propostas do PNDH-3 do PT, se opõe à ausência “de
símbolos religiosos na vida pública”.
Com seu
discurso, o Papa procura evitar que o Brasil continue protagonista de um
fenômeno que seria mais típico do feudalismo medieval, do que de uma
suposta democracia moderna. De fato, durante a Baixa Idade Média, era
comum que os posicionamentos e protestos mais decididos fossem os do
Papa, enquanto os do episcopado local, mais exposto às pressões e ao
poder imediato dos senhores feudais, eram como os de um cão atado à
coleira. Pode até ensaiar uns latidos, mas quem passa por perto sabe que se trata de barulho inofensivo.
Ao apagar
das luzes da campanha de segundo turno, o Pontífice parece preparar o
terreno para que a Igreja do Brasil compreenda, sejam quais forem os
resultados das eleições, que é inútil apelar para um currículo de
progressos sociais e de defesas dos oprimidos do Partido dos
Trabalhadores, quando seu “projeto político” está tão empenhado em
eliminar os seres humanos mais fracos e indefesos no ventre das mães.
_____________________________ ______________________________ _______
Amados Irmãos no Episcopado,
«Para vós, graça e paz da
parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo» (2 Cor 1, 2). Desejo
antes de mais nada agradecer a Deus pelo vosso zelo e dedicação a
Cristo e à sua Igreja que cresce no Regional Nordeste 5. Lendo os vossos
relatórios, pude dar-me conta dos problemas de caráter religioso e
pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente.
O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança,
como Dom Xavier Gilles acaba de referir na saudação que me dirigiu,
dando livre curso aos sentimentos de todos vós e do vosso povo.
Como
sabeis, nos sucessivos encontros com os diversos Regionais da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tenho sublinhado diferentes
âmbitos e respectivos agentes do multiforme serviço evangelizador e
pastoral da Igreja na vossa grande Nação; hoje, gostaria de falar-vos de
como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana
com o Evangelho, ensina ao homem a sua dignidade de filho de Deus e a
sua vocação à união com todos os homens, das quais decorrem as
exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina.
Entretanto,
o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos
fiéis leigos, que, como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em
contribuir para a reta configuração da vida social, no respeito da sua
legítima autonomia e da ordem moral natural (cf. Deus caritas est, 29).O
vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos
compete contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças
morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna.
Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das
almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo
moral, mesmo em matérias políticas (cf. GS, 76).
Ao
formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor
absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente
inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente má e
incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser
resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, conseqüência ou
circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer
defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não
compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até à
morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso no
quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais
inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal?
Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a
descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático – que
só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a
pessoa humana – é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vitæ,
74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida «não
devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer
compromisso e ambigüidade que nos conformem com a mentalidade deste
mundo» (ibidem, 82).
Além
disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e
sócio-político de um modo unitário e coerente, é «necessária — como vos
disse em Aparecida — uma catequese social e uma adequada formação na
doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o "Compêndio da
Doutrina Social da Igreja"» (Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 3). Isto
significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo
lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar
livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. GS, 75).
Neste
ponto, política e fé se tocam. A fé tem, sem dúvida, a sua natureza
específica de encontro com o Deus vivo que abre novos horizontes muito
para além do âmbito próprio da razão. «Com efeito, sem a correção
oferecida pela religião até a razão pode tornar-se vítima de
ambigüidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou
então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração
plenamente a dignidade da pessoa humana» (Viagem Apostólica ao Reino Unido, Encontro com as autoridades civis, 17-IX-2010).
Só
respeitando, promovendo e ensinando incansavelmente a natureza
transcendente da pessoa humana é que uma sociedade pode ser construída.
Assim, Deus deve «encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente
nas dimensões cultural, social, econômica e particularmente política»
(Caritas in veritate, 56). Por isso, amados Irmãos, uno a minha voz à
vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente
do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do
Estado.
Queria
ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é
ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu
respeito. Eles têm um valor particular, no caso do Brasil, em que a
religião católica é parte integral da sua história. Como não pensar
neste momento na imagem de Jesus Cristo com os braços estendidos sobre a
baía da Guanabara que representa a hospitalidade e o amor com que o
Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e
necessitados provenientes de todo o mundo? Foi nessa presença de
Jesus na vida brasileira, que eles se integraram harmonicamente na
sociedade, contribuindo ao enriquecimento da cultura, ao crescimento
econômico e ao espírito de solidariedade e liberdade.
Amados
Irmãos, confio à Mãe de Deus e nossa, invocada no Brasil sob o título
de Nossa Senhora Aparecida, estes anseios da Igreja Católica na Terra de
Santa Cruz e de todos os homens de boa vontade em defesa dos valores da
vida humana e da sua transcendência, junto com as alegrias e
esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres da província
eclesiástica do Maranhão. A todos coloco sob a Sua materna proteção, e a
vós e ao vosso povo concedo a minha Benção Apostólica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário