Por William J. Tighe
Fonte: http://www.apologetica.org
Tradução: Carlos Martins Nabeto (http://www.veritatis.com.br/article/5677)
Calculando-se a data do Natal conclui-se que não foram os cristãos que adotaram uma festa pagã, mas justamente o inverso...
Muitos
cristãos crêem que o Cristianismo celebra o nascimento de Cristo no dia
25 de dezembro porque os Padres da Igreja se apropriaram da data de uma
festa pagã. Quase ninguém dá importância a este fato, exceto alguns
grupos evangélicos minoritários de origem norte-americana, que parecem
interpretar que isso converte o Natal em uma festa pagã. No entanto,
resta interessante saber que a opção pelo 25 de dezembro é resultado das
tentativas efetuadas pelos primeiros cristãos em investigar a data de
nascimento de Jesus baseando-se em cálculos do calendário que nada
tinham a ver com as festividades pagãs. Ao contrário, a festa pagã do
"Nascimento do Sol Invicto" foi instituída pelo imperador romano Aurélio
para ser comemorada em 25 de dezembro de 274, quase com toda certeza
como tentativa de criar a alternativa pagã para uma data que já gozava
de certa importância para os cristãos romanos. Com efeito, "as origens
pagãs do Natal" são um mito sem fundamento histórico.
UM ERRO
A
idéia de que a data foi apropriada dos pagãos remonta a dois estudiosos
de fins do século XVII e princípios do século XVIII. Paul Ernst
Jablonski, um protestante alemão, pretendia demonstrar que a celebração
do nascimento de Cristo em 25 de dezembro era uma das muitas
"paganizações" do Cristianismo que a Igreja do século IV havia adotado,
como uma das muitas "degenerações" que haviam transformado o puro
Cristianismo apostólico em Catolicismo. Dom Jean Hardouin, um monge
beneditino, tentou demonstrar que a Igreja Católica tinha adotado
festividades pagãs para fins cristãos sem, porém, paganizar o Evangelho.
No calendário juliano, criado no ano 45 a.C., sob Júlio César, o
solstício de inverno caía em 25 de dezembro e, portanto, para Jablonski e
Hardouin parecia-lhes evidente que essa data tinha que conter
obrigatoriamente um significado pagão antes de ter sido cristianizada.
Porém, na verdade, a data não tinha nenhum sentido religioso no
calendário pagão em tempos anteriores a Aurélio e tampouco o culto ao
sol desempenhava um papel importante em Roma antes da sua chegada.
Havia
dois templos dedicados ao sol em Roma. Um deles, mantido pelo clã do
qual Aurélio nasceu ou foi adotado, celebrava sua festa de consagração
em 9 de agosto; e o outro, em 28 de agosto. No entanto, os dois cultos
caíram em desuso no século II, quando os cultos solares orientais, como o
Mitraísmo, começaram a ganhar adeptos em Roma. Como quer que seja,
nenhum destes cultos, antigos ou novos, tinham festividades relacionadas
com solstícios ou equinócios. O que ocorreu verdadeiramente foi que
Aurélio, que governou do ano 270 até seu assassinato em 275, era hostil
para com o Cristianismo, estando documentado que promoveu o
estabelecimento da festa do "Natal do Sol Invicto" como um método de
unificar os diversos cultos pagãos do Império Romano em torno de uma
comemoração do "renascimento" anual do sol. [Aurélio] liderava um
Império que avançava para o colapso ante as agitações internas, as
rebeliões das províncias, a decadência econômica e os repetidos ataques
das tribos germânicas pelo norte e do Império Persa pelo leste.
Ao
criar essa nova festa, sua intenção era a de que o dia 25 (quando a luz
dia começava a avançar e reduzir as trevas) fosse um símbolo do
aguardado "renascimento" ou eterno rejuvenescimento do Império Romano,
que fora o resultado da perseverança na adoração dos deuses cuja tutela -
segundo acreditavam os romanos - tinha conduzido Roma à glória e ao
governo de todo o mundo. E se era possível acabar com a celebração
cristã, melhor ainda...
UMA CONSEQUÊNCIA
É
certo que a primeira prova de uma celebração cristã em 25 de dezembro
como data do Natal do Senhor encontra-se em Roma, alguns anos depois de
Aurélio, no ano 336 d.C.; porém, existem provas oriundas do leste grego e
do oeste latino, onde os cristãos tentavam averiguar a data do
nascimento de Cristo muito antes de passarem a celebrá-la de forma
litúrgica, inclusive nos séculos II e III. De fato, as provas indicam
que a atribuição da data de 25 de dezembro foi consequência das
tentativas de se determinar quando deveriam celebrar sua morte e
ressurreição.
Mas
como ocorreu tudo isto? Parece existir uma contradição na data da morte
do Senhor nos Evangelhos Sinóticos e no Evangelho de João. Os Sinóticos
a situam na Páscoa dos judeus (após a Última Ceia na noite anterior)
enquanto que João a descreve na véspera da Páscoa, no momento em que os
cordeiros eram sacrificados no Templo de Jerusalém para o ágape que
tinha lugar após o nascimento do sol nesse mesmo dia. A solução para
esta questão implica responder à pergunta se a Santa Ceia foi um ágape
pascal ou uma ceia que ocorreu um dia antes, o que evidentemente não
estudaremos aqui. Basta dizer que a Igreja primitiva seguiu João e não
os Sinóticos e que, portanto, acreditou que a morte de Cristo ocorreu no
dia 14 de Nisan, de acordo com o calendário lunar judaico. Por certo,
os estudiosos modernos concordam que a morte de Cristo pode ter ocorrido
no ano 30 ou no ano 33 d.C., já que estes são os únicos anos dessa
época em qua a vigília da Páscoa poderia cair numa sexta-feira. As
possibilidades são, portanto, o 7 de abril do ano 30 ou o 3 de abril de
33.
Porém,
visto que a Igreja primitiva foi separada forçosamente do Judaísmo,
adentrou em um mundo de calendários diferentes e teve que instaurar seus
próprios momentos para celebrar a Paixão do Senhor, em parte também
para se tornar independente dos cálculos rabínicos para a data da
Páscoa. Por outro lado, como o calendário judaico era um calendário
lunar que constava de 12 meses de 30 dias cada, de anos em anos era
necessário acrescentar, por decreto do Sinédrio, um 13º mês, para manter
o calendário sincronizado com os equinócios e solstícios, bem como para
evitar que as estações fossem se "deslocando" para meses inapropriados.
Em
paralelo à dificuldade que os cristãos deveriam ter para investigar (ou
talvez em estar bem informados) sobre as datas pascais de um
determinado ano, se viessem a seguir um calendário lunar projetado por
eles mesmos poderia lhes atrair problemas tanto da parte dos judeus
quanto dos pagãos, bem como entrar em debates sem fim entre eles
próprios. O século II presenciou grandes debates sobre se a Páscoa
precisava cair sempre num domingo ou em qualquer dia da semana, dois
dias depois do 14 de Nisan/Artemísion e seguir um calendário lunar
somente poderia agravar estes problemas.
Tais
divergências eram interpretadas de diferentes maneiras entre os
cristãos gregos da parte oriental do Império e os cristãos latinos da
parte ocidental do mesmo. Parece que os cristãos-gregos quiseram
encontrar uma data equivalente ao 14 de Nisan em seu próprio calendário
solar e, visto que Nisan era o mês em que ocorria o equinócio de
primavera, elegeram o dia 14 de Artemísion, o mês em que o equinócio de
primavera caía invariavelmente em seu próprio calendário. Por volta do
ano 300 d.C., o calendário grego foi suplantado pelo calendário romano e
como as datas de início e fim dos meses nestes dois sistemas não
coincidiam, o dia 14 de Artemísion se converteu em 6 de abril.
Não
obstante, parece que os cristãos latinos do século II em Roma e no
norte da África queriam estabelecer a data histórica da morte de Jesus.
Na época de Tertuliano (~155-220 d.C.) tinham concluído que morreu na
sexta-feira, 25 de março do ano 29 (como observação, devo fazer constar
que isto é impossível: o dia 25 de março do ano 29 não caiu na
sexta-feira e a véspera da Páscoa judaica do ano 29 d.C. não caiu nem em
25 de março e nem sequer no mês de março).
IDADE INTEGRAL
Portanto
no leste temos o dia 6 de abril e, no oeste, o dia 25 de março. Tendo
chegado a este ponto, devemos introduzir uma crença que parece ter se
propagado no Judaísmo do tempo de Jesus; porém, como não aparece na
Bíblia, não é muito conhecida dos cristãos. Trata-se da "idade integral"
dos grandes profetas judeus: a idéia de que os profetas de Israel
morreram na mesma data em que se deu seu nascimento ou concepção.
Este
conhecimento é fator-chave na hora de entender o porquê de alguns dos
primeiros cristãos terem chegado à conclusão de que o dia 25 de dezembro
foi a data em que nasceu Jesus Cristo. Os primeiros cristãos aplicaram
esta idéia a Jesus, de modo que o 25 de março e o 6 de abril não eram
apenas as supostas datas da morte de Jesus como também as de sua
concepção ou nascimento. Existe alguma prova fugaz de que pelo menos
alguns cristãos dos séculos I e II consideravam o 25 de março e o 6 de
abril como a data de nascimento de Cristo, porém logo prevaleceu a
indicação do 25 de março com a data da concepção de Cristo.
E
é neste dia, comemorado quase que universalmente pelos cristãos como a
Festa da Anunciação, quando o Arcanjo Gabriel levou a Boa Nova do
Salvador à Virgem Maria, a qual consentiu que a Palavra de Deus ("Luz da
luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, nascido do Pai antes de todos
os séculos") se encarnasse em seu ventre. Quanto dura uma gravidez? Nove
meses! Se contarmos nove meses a partir de 25 de março teremos 25 de
dezembro; se contarmos a partir de 6 de abril, teremos 6 de janeiro. O
25 de dezembro é Natal; o 6 de janeiro, a Epifania.
O
Natal (25 de dezembro) é uma festa de origem cristã ocidental. Parece
que em Constantinopla foi introduzido no anto 379 ou 380. De um sermão
de São João Crisóstomo, que em sua época foi um renomado asceta e
pregador na sua Antioquia nativa, parece que aí a festa foi celebrada
pela primeira vez em 25 de dezembro de 386. A partir desses centros, se
espalhou por todo o Oriente cristão, sendo adotado em Alexandria por
volta de 432 e, em Jerusalém, um século depois (ou um pouco mais). Entre
as Igrejas cristãs antigas, os armênios são os únicos que não o
adotaram, celebrando até hoje o nascimento de Cristo, a adoração dos
reis e o batismo em 6 de janeiro.
Por
sua vez, as Igrejas ocidentais foram adotando gradualmente, para o 6 de
janeiro, a celebração da Epifania oriental, sendo que Roma o fez entre
366 e 394. Porém, no Ocidente, esta festa se apresentava normalmente
como a comemoração da visita dos Reis Magos ao Menino Jesus e, como tal,
era uma festa importante, mas não uma das mais determinantes. Isto
provocava um forte contraste com a posição da Igreja oriental, onde
continua sendo a segunda festa mais importante da Igreja após a Páscoa.
No Oriente, a Epifania é muito mais importante que o Natal. A razão
disto é que nessa festa também se celebra o batismo de Cristo no Jordão o
momento em que a voz do Pai e a descida do Espírito Santo manifestaram
pela primeira vez aos mortais a divindade do Cristo Encarnado e a
Trindade das Três Pessoas em um só Deus.
UMA FESTA CRISTÃ
Assim,
pois, parece que o 25 de dezembro como data do nascimento de Cristo não
se deve em absoluto às influências pagãs nas práticas da Igreja durante
ou depois do tempo de Constantino. Não é possível provar que seja a
data exata do nascimento de Cristo, porém surgiu estritamente dos
esforços dos primeiros cristãos latinos para investigar a data histórica
da morte de Cristo.
Ao
contrário, a festa pagã instituída pelo imperador Aurélio para essa
data, no ano 274, não apenas foi um esforço para usar o solstício de
inverno com o objetivo de fazer uma declaração política, como ainda -
com quase toda a certeza - foi uma tentativa de dar um sentido pagão
para um data já importante para os cristãos romanos. Por sua vez, os
cristãos puderam posteriormente tornar a adotar a festa do "Nascimento
do Sol Invicto" para se referir, em memória do nascimento de Jesus, à
ascensão do "Sol da Salvação" ou do "Sol da Justiça".
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William J. Tighe é corresponsável pela "Touchstone" e professor adjunto na Universidade de Muhlenberg.
William J. Tighe é corresponsável pela "Touchstone" e professor adjunto na Universidade de Muhlenberg.
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